Prescrição e Falta de Concomitância: o que são, diferenças e como usar na defesa de multas

Nicholas Rodrigues
August 16, 2025

No universo jurídico e administrativo, especialmente em processos relacionados ao trânsito, dois conceitos podem ser decisivos para encerrar uma penalidade ou anular um processo: prescrição e falta de concomitância. Embora sejam termos técnicos, seu impacto é bastante prático — em muitos casos, representam a diferença entre ter um processo arquivado ou manter uma multa e seus efeitos no histórico do condutor.

A prescrição está ligada ao prazo que a administração pública ou o judiciário têm para aplicar uma penalidade ou dar andamento ao processo. Já a falta de concomitância ocorre quando não há coincidência ou compatibilidade entre atos e requisitos exigidos por lei, comprometendo a validade do procedimento.

Entender esses conceitos é fundamental não apenas para advogados e profissionais da área, mas também para qualquer cidadão que queira exercer plenamente seu direito de defesa. Neste artigo, vamos explicar de forma clara e detalhada o que significam, como funcionam e em quais situações podem ser alegados, com foco especial no direito de trânsito e no uso estratégico dessas teses jurídicas.

O que é Prescrição e como funciona no direito de trânsito

A prescrição é um instituto jurídico que estabelece um limite de tempo para que o Estado ou uma pessoa possa exercer um direito ou aplicar uma penalidade. No contexto de processos administrativos e judiciais, significa que, passado determinado prazo sem que haja andamento ou conclusão do caso, o direito de punir ou de cobrar deixa de existir.

Em termos simples, a prescrição funciona como um “prazo de validade” para a pretensão punitiva ou executória: se ele expira, o processo deve ser arquivado, e a penalidade, anulada. Esse mecanismo serve para garantir segurança jurídica, evitando que cidadãos fiquem indefinidamente sujeitos a punições ou cobranças.

Diferença entre prescrição e decadência

Embora sejam conceitos próximos, prescrição e decadência não são sinônimos:

Prescrição: extingue o direito de exigir ou punir por inércia do titular (ex.: o Estado perde o direito de cobrar uma multa porque deixou passar o prazo para concluir o processo).

Decadência: extingue o próprio direito material por não ter sido exercido dentro de um prazo legal (ex.: o órgão de trânsito perde o direito de autuar porque não notificou o condutor no prazo previsto).

Na prática, a prescrição está ligada à perda da ação, enquanto a decadência está ligada à perda do direito.

Fundamento legal

A prescrição é prevista em diversas normas do ordenamento jurídico brasileiro, como Código Civil, Código Penal,  Código de Trânsito Brasileiro – CTB e leis e decretos específicos para áreas como direito tributário, administrativo e ambiental, cada um com prazos próprios.

Prazos comuns de prescrição em processos administrativos de trânsito

No trânsito, a prescrição mais conhecida é a prescrição da pretensão punitiva e a prescrição intercorrente. Os prazos geralmente observados incluem:

Notificação de Autuação: deve ser enviada ao proprietário do veículo em até 30 dias da data da infração (art. 281, CTB). Embora tecnicamente isso seja um prazo decadencial, seu descumprimento leva ao arquivamento.

Prescrição da Penalidade: o órgão de trânsito tem 5 anos para cobrar multas de trânsito, contados do dia em que a penalidade se tornou definitiva (Lei nº 9.873/1999, aplicada subsidiariamente).

Prescrição Intercorrente: ocorre quando, após iniciado o processo, o órgão público fica 3 anos sem praticar qualquer ato válido que mova o processo.

Exemplos Práticos de Prescrição no Trânsito

Notificação tardia: um motorista cometeu infração em janeiro, mas a notificação de autuação só foi enviada em abril, ultrapassando o prazo legal — o auto de infração deve ser arquivado.

Demora na cobrança: o condutor foi multado em 2017, recorreu e perdeu, mas o órgão só tentou cobrar a multa em 2023, superando o prazo de 5 anos.

Processo parado: um processo de suspensão da CNH foi aberto, mas ficou mais de 3 anos sem movimentação administrativa; nesse caso, pode ser alegada a prescrição intercorrente para arquivá-lo.

O que é Falta de Concomitância e quando pode ser alegada

A falta de concomitância é um vício processual que ocorre quando dois ou mais atos, requisitos ou condições que deveriam existir simultaneamente não se encontram presentes no mesmo momento ou na sequência exigida por lei. Em termos simples, é quando há uma quebra da necessária “coincidência” ou harmonia entre elementos indispensáveis para a validade de um ato ou de um processo.

No contexto jurídico e administrativo, a concomitância garante que etapas e requisitos aconteçam de forma compatível e dentro da ordem prevista. Quando essa simultaneidade é rompida, abre-se margem para alegar a nulidade do ato ou do processo.

Princípio da concomitância

O princípio da concomitância é baseado na ideia de que determinados atos jurídicos só são válidos se ocorrerem em conjunto ou em sequência lógica e legal. Isso é especialmente importante para preservar:

  • A coerência processual, garantindo que o procedimento siga um fluxo legalmente previsto.

  • O direito à ampla defesa e ao contraditório, já que um ato feito fora de ordem pode prejudicar o direito de defesa do cidadão.

Como a falta de concomitância pode ocorrer

No direito administrativo e de trânsito, a falta de concomitância se manifesta quando:

  • Um ato processual é realizado antes que outro requisito seja cumprido (ex.: penalidade aplicada antes do julgamento de defesa prévia).
  • Há quebra de ordem cronológica exigida por lei.
  • Há incompatibilidade entre as datas de emissão e recebimento de notificações.
  • O prazo para defesa é aberto sem que o infrator tenha sido devidamente notificado.

Exemplos no Direito de Trânsito

Defesa não julgada antes da penalidade: o condutor apresenta defesa prévia, mas o órgão aplica a penalidade antes de analisar o documento.

Notificação e prazo incompatíveis: a notificação de penalidade chega ao condutor depois do prazo para apresentar recurso já ter expirado.

CNH suspensa sem encerramento do recurso: o órgão inicia o cumprimento da penalidade de suspensão enquanto o recurso ainda está em análise.

Consequências da falta de concomitância

Quando comprovada, a falta de concomitância pode levar à anulação do ato administrativo ou de todo o processo, pois evidencia que não foram respeitadas as garantias processuais previstas em lei.

Prescrição e falta de concomitância: diferenças e relação

Apesar de estarem frequentemente presentes em processos administrativos e judiciais, prescrição e falta de concomitância são institutos distintos, com fundamentos e efeitos diferentes. Ainda assim, ambos podem ser alegados na defesa de um cidadão quando há falhas na condução do processo, inclusive no âmbito do trânsito.

Principais diferenças

Aspecto

Prescrição

Falta de Concomitância

Definição

Extinção do direito de punir ou cobrar por decurso de prazo sem andamento processual.

Quebra da simultaneidade ou sequência correta de atos e requisitos exigidos por lei.

Natureza

Ligada a prazos (tempo).

Ligada à ordem e compatibilidade de atos (procedimento).

Fundamento

Evita que o Estado mantenha indefinidamente o cidadão sob ameaça de punição.

Garante que o processo seja conduzido de forma coerente e legal.

Base Legal

Código Civil, Código Penal, CTB e leis específicas sobre prazos.

Normas processuais e princípios constitucionais do devido processo legal.

Efeito

Extingue a pretensão punitiva ou executória.

Anula o ato ou o processo por vício formal.

Como se relacionam

Embora distintos, esses institutos podem se complementar na defesa. Em alguns casos, a falta de concomitância pode atrasar o processo a ponto de provocar a prescrição. É possível alegar ambos simultaneamente, por exemplo, quando a ordem processual é quebrada e, além disso, os prazos legais são ultrapassados.

Ambos protegem o cidadão contra abusos ou falhas da Administração Pública, mas atuam em frentes diferentes: um no campo temporal e o outro no campo procedimental.

Exemplo combinado no trânsito

Imagine que um condutor tenha cometido uma infração em março de 2019. O órgão de trânsito só envia a notificação de penalidade em maio de 2020 (fora do prazo, caracterizando possível prescrição ou decadência).

Além disso, essa notificação é expedida sem que a defesa prévia tenha sido analisada (falta de concomitância). Nesse cenário, os dois argumentos podem ser utilizados para solicitar o arquivamento do processo.

Como alegar prescrição e falta de concomitância em defesa

Para que prescrição ou falta de concomitância sejam reconhecidas, não basta citar os termos no recurso: é necessário provar com documentos e fundamentar com base legal. Um argumento bem estruturado aumenta significativamente as chances de sucesso na defesa, seja ela administrativa ou judicial.

Identifique o tipo de ocorrência

Prescrição: verifique as datas da infração, das notificações e da cobrança da penalidade. Compare com os prazos legais (30 dias para notificação de autuação, 5 anos para cobrança de multa, 3 anos de paralisação para prescrição intercorrente).

Falta de concomitância: analise a sequência dos atos processuais e confirme se a ordem prevista no CTB e nas resoluções do CONTRAN foi respeitada.

Reúna as provas necessárias

  • Cópias das notificações recebidas (autuação e penalidade).
  • Registro de datas de postagem ou recebimento.
  • Extratos do processo no site do DETRAN ou do órgão autuador.
  • Qualquer documento que demonstre a quebra de sequência ou a demora excessiva no andamento do processo.

Estruture o recurso de forma clara

Um bom modelo pode seguir esta lógica:

  • Identificação do condutor e do processo.
  • Breve resumo dos fatos (infrações e notificações).
  • Argumento principal: prescrição ou falta de concomitância (ou ambos).
  • Base legal: artigos e jurisprudência que sustentam o pedido.
  • Conclusão e pedido: solicitação de arquivamento do processo ou anulação da penalidade.

Cuidados importantes

  • Não alegar sem provas documentais — a simples afirmação dificilmente será aceita.
  • Verificar se o prazo ou a falha processual realmente se aplicam ao caso.
  • Evitar confundir prazos prescricionais com prazos decadenciais.
  • Guardar cópias de todos os documentos enviados e recebidos durante o processo.

Erros comuns ao invocar prescrição ou falta de concomitância

Embora prescrição e falta de concomitância sejam teses jurídicas poderosas para encerrar processos e anular penalidades, seu uso incorreto pode comprometer toda a defesa. Muitos recursos são indeferidos porque o condutor ou até mesmo o advogado comete erros básicos ao tentar sustentar esses argumentos.

A seguir, destacamos os equívocos mais frequentes:

Alegar sem comprovação documental

Um dos erros mais graves é apresentar a tese sem anexar documentos que comprovem o alegado. Dizer que “o prazo prescreveu” sem mostrar a data da infração e da notificação não é suficiente.

No caso da falta de concomitância, é necessário indicar quais atos processuais ocorreram fora da ordem e apresentar as provas correspondentes, como registros do sistema do órgão de trânsito ou cópias das notificações.

Confundir prazos de prescrição e decadência

É comum confundir os dois institutos. A prescrição refere-se à perda do direito de punir ou cobrar por decurso de prazo durante o processo ou após a penalidade. A decadência está ligada à perda do direito de constituir a infração, geralmente por não notificar o infrator no prazo inicial. Essa confusão pode levar a uma argumentação incoerente e, consequentemente, ao indeferimento do recurso.

Interpretar equivocadamente atos processuais

Outro erro recorrente é interpretar um ato processual como inércia do órgão ou quebra de sequência quando, na verdade, ele cumpre a exigência legal.

Por exemplo, um despacho administrativo simples pode ser suficiente para interromper a contagem do prazo prescricional. No caso da concomitância, é preciso diferenciar atrasos burocráticos de vícios que realmente comprometem a validade do ato.

Não observar o tipo de prescrição aplicável

Existem diferentes formas de prescrição, e alegar a errada pode prejudicar a defesa:

  • Prescrição punitiva: antes da aplicação da penalidade.
  • Prescrição intercorrente: durante a tramitação do processo.
  • Prescrição executória: após a penalidade definitiva, antes de sua cobrança.

Cada uma tem prazos e contagens específicas, e é fundamental saber qual se aplica ao caso concreto para argumentar corretamente.

Dicas para evitar problemas processuais

Evitar falhas na condução da defesa é tão importante quanto conhecer os fundamentos de prescrição e falta de concomitância. Confira práticas essenciais para garantir que seus argumentos sejam consistentes e tenham maiores chances de acolhimento.

Acompanhe os prazos desde o início

Mantenha um registro claro das datas da infração, emissão das notificações e julgamento de recursos. Utilize planilhas ou aplicativos de controle de prazos para não deixar passar nenhuma data importante.

Organize e arquive todas as notificações

Guarde cópias físicas e digitais das notificações e correspondências recebidas. Anote datas de recebimento e postagem para comprovar eventual atraso.

Consulte um profissional especializado

Um advogado ou consultoria especializada em trânsito pode identificar falhas que passariam despercebidas para quem não domina a legislação. Isso é especialmente útil para diferenciar prazos prescricionais de decadenciais e identificar vícios processuais menos óbvios.

Revise a legislação e resoluções aplicáveis

Leia o CTB e as Resoluções do CONTRAN pertinentes ao seu caso. Mantenha-se atualizado, pois alterações normativas podem mudar prazos e procedimentos.

Tenha cuidado com alegações infundadas

Só utilize a tese de prescrição ou falta de concomitância quando houver provas concretas. Alegações genéricas e sem embasamento reduzem a credibilidade do recurso e dificultam futuras contestações.

Peça cópia integral do processo

Se houver dúvida sobre o andamento do caso, solicite ao órgão de trânsito a cópia integral do processo administrativo. Assim, é possível verificar a sequência dos atos, identificar lacunas e conferir datas oficiais.

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